quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A Escola, um paraíso na Terra?




Com mais de trinta anos de serviço prestado, em várias escolas da ilha de São Miguel e numa da ilha Terceira, acho que estou a atingir o limite das minhas forças e da paciência, não só porque as maleitas associadas à idade já começam a pesar um pouco, mas também porque da parte de quem as devia frequentar, alguns alunos, a receptividade à aprendizagem, por vezes deixa muito a desejar.

Tenho plena consciência de que a sociedade modificou-se, infelizmente nem sempre para melhor, e de que uma parte, se calhar grande, do problema estará do meu lado. Com efeito, não me consigo adaptar à hipocrisia de alguns responsáveis nem ao desrespeito à sociedade e a quem trabalha por parte de quem está na escola apenas para passar o dia no recreio e a perturbar as aulas, desrespeitando quem quer aprender e quem se esforça por ensinar.

Hoje, a escola, e não só, parece-me uma grande produtora de espectáculos cujo único objectivo é transmitir para o exterior que tudo está bem, quando a realidade, sentida por quem a quer sentir, é outra e não há meios para a alterar, por mais que venham dizer que com o actual estatuto do aluno a situação estará a dois passos de ser solucionada. Fico à espera, sentado para não me cansar, de ser aplicada a primeira “multa” aos pais e que esta seja paga com o seu vencimento e não com o chamado “rendimento social” para atirar um bom par de roqueiras.

Gostaria, também, de saber como se pode mudar a escola quando nada se faz, digno de ser realçado, para mudar a sociedade.

Será que é possível exigir disciplina e rigor na escola quando cá fora se fomenta a alienação e o facilitismo? Será que se pode ter outra escola quando se dificulta a participação das famílias, aumentando horários de trabalho e reduzindo os vencimentos?

Será que se pode ter outra escola quando não se motiva os professores, obrigando-os a fazer um conjunto de tarefas inúteis, como planos para isto e para aquilo, quando se sabe que muitos deles não têm meios para sair do papel ou quando se implementam aulas de substituição em moldes que não dignificam os docentes e não servem aos alunos?

Até aqui, limitei-me a referir alguns assuntos de carácter genérico, mas como sou professor de uma disciplina que se inclui nas denominadas ciências experimentais, não queria deixar passar a oportunidade para lamentar o facto dos nossos deputados/governantes, alguns dos quais professores, mas possivelmente sem qualquer vocação para tal, terem, depois de elogiado, da boca para fora, a importância do ensino das ciências, diminuído a sua carga horária.

Também não compreendo como se pretende fomentar o ensino experimental e não se orçamentam as verbas necessárias para pelo menos repor o que nos laboratórios se vai tornando obsoleto ou vai avariando. Culpa da Secretaria Regional que tutela a educação ou insensibilidade dos Conselhos Executivos?

Senhores responsáveis por esta situação, trabalhar, num computador, com laboratórios virtuais não é a mesma coisa do que realizar uma actividade experimental numa sala de aula. Como muito bem escreveu uma estudante de mestrado na Universidade de Aveiro “os laboratórios virtuais não substituem os processos reais. Julgo que esta deve ser a ideia geral a reter. Portanto, o professor deve estar consciente de que o recurso a estes meios apenas deverá ser ocasional”.

Sobre o assunto, o professor, pedagogo, historiador da ciência e da educação, divulgador científico e poeta Rómulo de Carvalho, em entrevista ao Público, em 1996, disse o seguinte: “Em relação ao ensino experimental, as experiências acompanham aquilo que queremos ensinar quando estamos na aula, mas o método de ensino não é exclusivamente experimental. As experiências servem para esclarecer o aluno sobre aquilo que está a ouvir. Eu levava sempre para a aula material que punha em cima da mesa e os alunos olhavam com toda a curiosidade: ‘Para que é isto? Para que é aquilo?’ À medida que ia falando, ia preparando as coisas e mostrando o que se passava, para ilustrar aquilo que estava a dizer.” Será que já está ultrapassado?

Quem não conhece a realidade das escolas e quem lê os jornais por elas editados ficará com a ideia de que nelas não há problemas de indisciplina, que os laboratórios estão todos bem apetrechados, que as novas tecnologias foram capazes de motivar os alunos, que os professores se sentem realizados profissionalmente e que voluntariamente participam nas baterias de actividades de final de período ou comemorativas disto ou daquilo. Enfim, como dizia o meu avô Manuel, a escola é “um céu aberto fechado numa grota”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 21 de Dezembro de 2011, p.9)