terça-feira, 25 de outubro de 2016

A propósito da leitura de duas conferências da pedagoga Maria Borges Medeiros



A propósito da leitura de duas conferências da pedagoga Maria Borges Medeiros

Nas minhas pesquisas sobre o Movimento da Escola Moderna tomei conhecimento de que uma das dinamizadoras das técnicas de Freinet, em Portugal, foi Maria Amália Borges de Medeiros Gutierrez (Maria Borges Medeiros).

Maria Borges Medeiros, entre outras formações, licenciou-se em Letras, pela Universidade de Lisboa e obteve o certificado de ensino especial de deficientes no Instituto Aurélio da Costa Ferreira. Lecionou na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Montreal, no Canadá, foi professora do ensino secundário e fundou, com João dos Santos e Henrique Moutinho, o Centro Infantil Helen Keller, tendo sido a primeira diretora do mesmo, durante aproximadamente oito anos.

Insatisfeita com várias experiências de ensino com crianças, adolescentes e adultos e inquieta pelo facto dos resultados serem “como uma espécie de condicionamento e não armavam a criança ou o jovem para a conquista da sua própria vida com as suas próprias mãos”, não desistiu e terá encontrado “um pouco de luz” ao descobrir Célestin Freinet quando trabalhava na classe de amblíopes da Liga Portuguesa de Profilaxia da Cegueira.

Depois de descobrir Freinet, entre as ideias que passaram a ter significado para Maria Borges Medeiros, destaco as seguintes:

“… A criança gosta de trabalhar e trabalha com afinco quando o trabalho resolve um problema que é seu. O centro do interesse é a vida da criança que penetra na escola, não é uma construção arbitrária do professor. A cooperativa escolar é dirigida pelos alunos e o sentido das responsabilidades assim estimulado dignifica e motiva a criança”.

Em duas conferências proferidas em Lisboa, em 1968, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, publicadas em 1970, pelo Centro de Investigação Pedagógica daquela fundação, com o título “O Papel e a formação dos Professores”, Maria Borges Medeiros apresentou um pouco do seu pensamento que achei por bem partilhar com os leitores do Correio dos Açores, especialmente os interessados nas questões relacionadas com o ensino e a educação.

Um dos ensinamentos que se pode tirar das conferências mencionadas é o de que mais importante do que as técnicas usadas é “viver e compreender pela ação o espírito da escola ativa”, já que o docente pode muito bem conhecer e aplicar uma técnica Freinet ou outra qualquer e continuar a utilizá-la “num contexto tradicional baseado na passividade do aluno”.

Uma questão que me preocupa é a de que para tornar mais atrativo o ensino, alguns docentes recorrem ao meio onde se inserem as suas escolas e transportam para esta exemplos do dia-a-dia, por vezes tradições, que como tal têm aspetos positivos e outros condenáveis à luz dos conhecimentos de hoje e da evolução civilizacional.

Maria Borges de Medeiros, referindo-se ao Canadá, dizia que lá se discutia a noção de adaptação. Segundo ela, a “educação deve adaptar; mas adaptar em que sentido? Adaptar, transformando o indivíduo num ser passivo que se submete? Ou adaptar no sentido de criar, formar um ser maleável, capaz de evoluir e de se integrar num mundo que se transforma?”

Outra questão que se põe é a do professor abdicar da sua função e aceitar alguns caprichos dos alunos para os agradar. Sobre o conceito de aceitação, Maria Borges Medeiros escreve que “muitos confundem aceitação com resignação”. Segundo ela, “aceitação é um conceito dinâmico que descreve uma atitude de abertura de espírito, de esforço no sentido de considerar empaticamente o ponto de vista do outro” e acrescenta: “trata-se de permitir que o outro explore, num clima livre de juízos de valor e de ameaças, o significado que para ele tem a nova experiência ou o novo conhecimento; aceitar é educar, isto é, permitir que o outro evolua, se modifique e cresça”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31065, 26 de outubro de 2016, p.16)