domingo, 24 de junho de 2018

Nos cem anos do nascimento de Freinet e de Vygotski


Nos cem anos do nascimento de Freinet e de Vygotski


Celestin Freinet e Lev Vygotski nasceram no meso ano, 1896, o primeiro a 15 de outubro e o segundo a 17 de novembro.

Para assinalar os 100 anos dos seus nascimentos, a revista NOESIS, de Janeiro- Março de 1997, entrevistou Sérgio Niza, do MEM-Movimento da Escola Moderna, que falou da importância das duas personalidades para aquele movimento e para o ensino/aprendizagem, em geral.

Neste texto, apresentamos uma síntese dos aspetos que consideramos mais importantes das entrevistas referida.

Sobre o que distingue entre o Movimento Freinet e o MEM, Sérgio Niza referiu que enquanto Freinet acreditava que as técnicas mudavam a escola e a sua pedagogia e por isso pensava que a pedagogia se podia construir como uma técnica de vida, tendo construído um modelo escolar, o MEM partiu da autoformação dos professores para fazer avançar as suas práticas.

Em relação às técnicas usadas por Freinet, Sérgio Niza recordou que ele “construiu uma pequena impressora para tirar os textos dos alunos, cultivou a correspondência interescolar e a cooperativa escolar, além disso organizava saídas da escola, as aulas-passeio onde os alunos recolhiam informação que depois serviam para a escrita de textos e introduziu a ideia do texto livre, em formato e em tema. Outras duas ideias que ele implementou foi a criação de um jornal que serviu para o estabelecimento de uma rede entre professores e a de uma cooperativa que editou os materiais de apoio à Escola Moderna.

Sérgio Niza recordou também algumas práticas que ainda hoje são usadas no contexto da pedagogia de contrato e da diferenciação pedagógica nas aprendizagens cooperativas, como a organização dos alunos por ateliers de imprensa, de artes plásticas, de trabalhos manuais, etc., bem como a existência de um plano individual de trabalho que era uma espécie de contrato estabelecido entre alunos e o professor.

Sobre algumas contradições de Freinet, Sérgio Niza refere que apesar dele ter cortado com as ideias da Escola Nova que era pedocentrica, isto é, considerava o aluno como o centro de toda a atividade, a Escola Moderna manteve o mesmo objetivo mas utilizou a cooperativa e a organização como formadoras do carácter, da cidadania e compreendeu que era a forma como os alunos se organizavam, se estruturavam para realizar determinadas tarefas que os formava.

Sobre se o enfoque deve ser dado ao ensinou ou à aprendizagem, Sérgio Niza recordou que Freinet acabou por perceber que o mais importante era a aprendizagem e não o ensino pois a dada altura propôs as chamadas lições à posteriori, isto é colocava primeiro os alunos numa situação de pesquisa e tratamento experimental e só depois fazia a síntese e reestruturação final dos materiais ou da informação.

Sobre se faz ou não sentido comemorar Freinet hoje, a resposta foi afirmativa porque o que tem acontecido é que o esforço tem sido no sentido de tornar a escola extensível a todos e tem-se esquecido de criar uma escola democraticamente participada pelos alunos e Freinet foi no dizer de Sérgio Niza foi uma das poucas pessoas que se bateram pela transformação das relações professores-alunos em relações democráticas.

Além do referido Freinet bateu-se por criar uma escola progressista e não uma escola à parte para todos os que falharam na escola dita normal e defendeu uma formação cívica assente na convicção de que o desenvolvimento moral se processa a partir da organização das relações entre as pessoas. Freinet também mostrou que os avanços na pedagogia só se podem fazer se os professores se juntarem e fizerem em cooperação progressos nas suas práticas.

Sobre o contributo do bielorrusso Lev Semenovitch Vygotsky que se dedicou a várias áreas do saber, tendo estudado direito e filologia, ensinado literatura, fundado a revista literária “Verask” e lecionado Psicologia e Pedagogia, Sérgio Niza escreveu que ele nos ensinou que os alunos aprendem sobretudo no convívio cultural com os adultos e com os pares, o que quer dizers que não se aprende principalmente com as lições formais, sendo o papel mais importante do professor o da organização social das aprendizagens e não o da função ensinante.

Fonte:
NOESIS, janeiro/março de 1997, pp. 70-73

sábado, 16 de junho de 2018

A propósito de um sábado pedagógico inesquecível


A propósito de um sábado pedagógico inesquecível

“Para nós, ética, pedagogia e democracia são exatamente a mesma coisa” (Sérgio Niza)

No passado dia 12 de maio, realizou-se, no Anfiteatro da Escola Secundária das Laranjeiras, mais um Sábado Pedagógico, promovido pelo Núcleo Regional de São Miguel do Movimento da Escola Moderna (MEM), um dos núcleos de uma associação de âmbito nacional que tem como principal objetivo a formação contínua dos seus membros em sistema de autoformação cooperada.

Lídia Grave-Resendes e Júlia Soares no livro, que recomendamos, “Diferenciação Pedagógica”, editado pela Universidade Aberta, afirmam que o modelo de formação de professores do MEM “começou a ser considerado, desde os anos 80, por especialistas internacionais tanto europeus como americanos, como um método de ponta na formação contínua de professores”

Com um número recorde de participantes, mais de setenta, a sessão teve duas partes distintas. Na primeira parte, houve um momento de partilha por parte do Grupo Cooperativo de Matemática que, para além de comunicar aos presentes o percurso e o trabalho efetuado desde a criação do grupo, deu a conhecer a importância do trabalho em conjunto sobretudo em termos anímicos. A segunda parte da sessão contou com a presença do pedagogo Sérgio Niza, um dos fundadores do Movimento que de acordo com António Nóvoa “é a presença mais constante, mais coerente e inspiradora da pedagogia portuguesa dos últimos 50 anos”.

Por terem sido muito variados os ensinamentos partilhados durante a sua intervenção, neste texto não podemos fazer referência a tudo o que nos foi transmitido por Sérgio Niza. Por não ter tirado apontamentos, para além do que memorizei, uso como fontes o livro “Sérgio Niza. Escritos sobre a Educação”, editado pelas Edições Tinta da China, em 2015, e o livro “O Movimento da Escola Moderna”, de Pedro González,, editado pela Porto Editora, em 2002.

Sobre a história do MEM, todos ficaram a saber que o mesmo foi perseguido pelo Estado Novo, tendo o próprio Sérgio Niza sido proibido de ensinar tanto no ensino público como no privado.

Em jeito de resposta a alguém mal informado, que me disse que sendo o MEM muito antigo, já devia estar ultrapassado, recordo o que escreveu Sérgio Niza sobre a presença do MEM na sociedade portuguesa: “Sem nós, a educação em Portugal não pode passar. Hoje, o Movimento da Escola Moderna Portuguesa, quer o detestem, quer o estimem, é um dado adquirido para a cultura portuguesa”.

Para melhor esclarecer os adeptos de ministros ou modelos autoritários e quem estagnou na profissão, recordo que “todo o mundo é composto de mudança” (Luís de Camões). No que diz respeito ao MEM, Sérgio Niza escreveu: “… Hoje, portanto, já não somos António Sérgio, já não somos Rui Grácio, já não somos Maria Amália Borges, já não somos Freinet. Somos aquilo que pudemos construir a partir deles e, quantas vezes, contra eles. Mas já não somos também nem eu, nem a Rosalina; somos uma dinâmica muito forte e contraditória, com muitas áreas de luz e muitas áreas de penumbra, tal como a vida real, autentica, para sermos autênticos e verdadeiros”.

Outro aspeto muito importante da comunicação foi sobre a democracia na escola. Sobre o assunto Sérgio Niza destacou a importância em termos de formação para os alunos a sua participação democrática direta na escola, dentro e fora da sala de aula.

Ainda sobre o mesmo tema, Sérgio Niza escreveu: “Todo o poder se afirma por via da representatividade faz reproduzir a ideia de representação que pressupões sempre uma ideia de elite. Há uns (que são) os eleitos e os outros…porque nós sabemos que (os eleitos) têm sempre mais poder, mais capacidade de intervenção. São questões fundamentais da democracia, que a democracia política não conseguiu resolver, mas que a democracia educativa poderá resolver”.

Na intervenção de Sérgio Niza, entre outros temas, foi abordado o modelo pedagógico do MEM e a polémica questão dos trabalhos de casa que por serem tão importantes para alguns docentes e pais, deviam ser feitos nas salas de aula.

Termino, convidando todas as pessoas que se preocupam com a educação e os meus colegas, de espírito aberto, a lerem os livros referidos acima e a participarem numa das próximas iniciativas do MEM que são gratuitas e abertas a todos os interessados.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31544, 13de junho de 2018, p.19)