domingo, 26 de julho de 2009

EDUCAÇÃO E DEMAGOGIA



Numa sexta-feira recente, por acaso, sintonizei a RTP/A e tive a oportunidade de ver directamente alguém afecto ao governo regional a defender a política regional da educação (coisa rara por cá). Após a aprovação do polémico Estatuto da Carreira Docente, três deputados foram entrevistados por um repórter da RTP/Açores. Rui Ramos pelo PSD, Zuraida Soares pelo Bloco de Esquerda e Cláudia Cardoso pelo PS. Aquilo a que se assistiu foi a um exercício muito elucidativo do que se tem passado na longa luta travada entre professores e secretaria regional da educação. Como só presenciei a entrevista a partir do problema das faltas, é aí que vou centrar o meu comentário (de qualquer forma pareceu-me ser este o núcleo da entrevista/debate).
O problema a que me refiro pode ser assim formulado: qual deve ser a implicação das faltas na avaliação dos professores; é justo, e sensato, exigir 100% (penso que o número exacto é 98%) de assiduidade para se obter o nível máximo de classificação?
Perante a questão, o deputado Rui Ramos defendeu que aquela exigência é injusta e discriminatória e deu alguns exemplos muito práticos: aqueles que por motivos de saúde tenham de acompanhar filhos menores ou portadores de deficiência, aqueles que se deparam com uma avaria no seu meio de transporte e, enfim, cumprimento de obrigações. Resumindo, situações que escapam ao nosso controlo. A deputada Zuraida Soares, para além de concordar com os exemplos específicos do deputado Rui Ramos, aproveitou a oportunidade para criticar toda a política do ministério da educação e o seguidismo da secretaria regional da educação.
E o que disse a deputada Cláudia Cardoso? Bem, em primeiro lugar, mostrou-nos que a ministra da educação e o primeiro-ministro têm feito escola quando são colocados directamente perante incongruências do actual modelo de avaliação de professores. Respondeu, como aqueles, contornando a questão de forma demagógica. Face aos exemplos concretos apresentados, começou por afirmar que: 1- a assiduidade é fundamental para a qualidade. 2- contrariamente a todos os outros, professores, oposição, sindicatos, ela e a bancada do partido socialista estão do lado dos alunos e dos pais; 3 – perguntou se os seus colegas deputados queriam a continuação do famoso abuso de faltas ocorrido há uns tempos na ilha das Flores.
Ora, para avaliar esta argumentação não é preciso perceber nada do actual modelo de avaliação nem do que é ser professor na actualidade. O que é preciso é atenção e algum espírito crítico. Desta forma, é fácil entender a resposta falaciosa da sra deputada, explorando a ambiguidade do tema faltas. Perante as tais faltas muito específicas, que por natureza tenderão a ser residuais ou de pequena expressão, atirou com um episódio de faltas que nada tem a ver com o problema em discussão, tirando partido, aí a demagogia, de um dos dois temas ainda sensíveis para a população e ainda rentáveis para o governo: as faltas e as férias dos professores.
Mas, para quem tem algum conhecimento desta guerra, não pode deixar de fazer alguns comentários mais gerais às suas afirmações, como por exemplo:
1- Se a senhora deputada e a sua bancada realmente estivessem preocupados com a qualidade do ensino: nunca teriam permitido que um modelo de avaliação (qualquer) pudesse ser implementado sem a existência prévia de avaliadores certificados; nunca teriam aprovado a aplicação de um modelo de avaliação sem um tempo indispensável de teste/experimentação (que no mínimo devia ser de dois anos lectivos), evitando assim um enorme desgaste de energia e tempo com procedimentos grosseiramente inexequíveis; teriam adoptado desde o início uma postura de humildade e cooperação com quem está no terreno e conhece o funcionamento do ensino por dentro (algo que só tentaram depois do desastrado barco já estar em andamento); há muito tempo, teriam lutado pela implementação de uma formação contínua de qualidade e por condições facilitadoras concretas para aqueles que se querem aperfeiçoar cientificamente. Isto só para dar alguns exemplos.
2 - Se a senhora deputada e a sua bancada realmente estivessem do lado dos pais e dos alunos: nunca os teriam instrumentalizado na sua luta e teriam presente que nenhum pai e aluno responsáveis concordariam com um dos itens mais absurdos que vigorou no modelo original de avaliação, a influência das negativas atribuídas pelo professor na sua avaliação. Isto para não mencionar a burocracia sufocante e dissuasora dos chumbos, os problemas da autoridade, a escassez de psicólogos nas escolas, etc,etc.
Devo referir que das faltas passei (sem aparente ligação) para a questão do modelo de avaliação. A razão, é que, na actualidade, não é possível qualquer debate sério sobre a educação contornando o modelo de avaliação de professores.
Termino, referido a minha estranheza pelo facto da actual secretária regional da educação ainda não ter sido alvo de mais nenhuma entrevista de fundo, particularmente na RTP/A, ou do facto desta estação não ter promovido ainda um debate esclarecedor entre as diferentes partes em conflito. Um extraterrestre chegado aos Açores, seria levado a concluir que a polémica na educação só existe para os lados do continente. Uma imagem bastante distorcida com grande responsabilidade dos nossos meios de comunicação social, em particular, claro, da RTP/A.
P.S. – Já após a realização deste texto, veio a público que o governo regional decidiu alterar a sua posição inicial, isto é, que até 30 dias as faltas por doença e assistência a filhos deixam de ter implicações na avaliação. È sempre de registar a correcção de uma injustiça, embora neste caso seja uma minimização e não uma correcção. Mas, apesar disso, como foi possível a defesa da posição inicial?! Com que fundamentos? Arrisco a dizer que, para além de um grupo afecto ao governo, ninguém sabe nem entende. Virá agora esse grupo a público criticar o governo?! Devia.

Autor: Jorge Ferreira Alves
Fonte: Correio dos Açores, 25 de Julho de 2009