terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Alguns apontamentos sobre Vygotski



Alguns apontamentos sobre Vygotski

Por pensar que é muito reduzido o número de leitores do Correio dos Açores que já ouviu falar em Vygotski decidi dar a conhecer um pouco da sua vida e a sua influência no mundo atual, nomeadamente na área do ensino.

Lev Semenovitch Vygotski nasceu em Orsha, na Bielorrússia, a 17 de novembro de 1896, e faleceu muito novo, com 37 anos, vítima de tuberculose, em Moscovo, a 11 de junho de 1934.

Na sua breve passagem por este mundo, Vygotski dedicou-se a várias áreas do saber, tendo estudado direito e filologia, ensinado literatura, fundado a revista literária “Verask” e lecionado Psicologia e Pedagogia.

Tal como aconteceu com outros cientistas, com a ascensão de Estaline ao poder na então União Sovietica, o trabalho de Vygotski não foi respeitado, tendo-se chegado ao cúmulo, segundo Geraldo Magela Machado, do Partido Comunista ter, dois anos após a sua morte, proibido “todos os testes psicológicos na União Soviética e todas as revistas de Psicologia deixaram de ser publicadas durante 20 anos”.

No livro “Estaline e os Cientistas”, que foi publicado em Portugal em abril de 2017, o seu autor Simon Ings apresenta vários casos de cientistas cuja carreira foi perturbada ou que foram assassinados por não se submeterem à “ciência oficial”.

Dos vários cientistas referidos, alguns dos quais e apesar das condições existentes contribuíram para o avanço de várias áreas da ciência, consta o nome de Vigotski que esteve ligado a vários projetos, entre os quais o de um infantário que foi fundado pela psicóloga Vera Shmidt (1889-1937).

O Infantário Branco adotou o pensamento de Jean Piaget e apresentava semelhanças com a Escola de Summerhill, criada, na Inglaterra, em 1921, por A.S. Neill e que defendia que a criança devia “ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo”.

Mas, os mentores do infantário não se ficaram pelas ideias de Piaget que começavam a ser difundidas em todo o mundo. Com efeito, acreditavam que as crianças dependiam da companhia das outras para desenvolver a sua linguagem e as suas aptidões, cabendo “aos psicólogos e aos professores socialistas descobrir qual o ambiente que produzia as personalidades mais saudáveis e mais felizes”.

Infelizmente, este infantário que segundo o autor que vimos citando “foi o mais célebre de toda uma série de experiências sociais bolcheviques, concebidas para derrubar séculos de encarceramento, de arregimentação e de punição, e substituí-los por formas racionais, científicas e humanas de engenharia social” fechou as portas, alegadamente por falta de fundos, dois anos após a sua abertura.

Apesar de Vygotski já ter morrido há mais de 80 anos, a sua obra continua a ser uma referência em todo o mundo e tem influenciado os movimentos pedagógicos contemporâneos, como o português Movimento da Escola Moderna.

No que diz respeito à influência de Vygotski no Movimento da Escola Moderna, Sérgio Niza, que é a principal referência daquele movimento pedagógico português, em entrevista à revista Noésis, de janeiro-março de 1997, disse o seguinte: “…ensinou-nos, por exemplo, que os alunos aprendem sobretudo no convívio cultural com os adultos e com os pares. O que quer dizer que não se aprende principalmente com as lições formais. O próprio Vygotski, numa espécie de parábola, acaba por concluir que o papel mais importante do professor é o da organização social das aprendizagens. Não é o da função ensinante.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31465, 28 de fevereiro de 2018, p. 17)

sábado, 10 de fevereiro de 2018

TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO EM PORTUGAL. DE UMA VEZ POR TODAS.


TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO EM PORTUGAL. DE UMA VEZ POR TODAS.

Somos um movimento de cidadãos comuns - pais, alunos e profissionais de educação - que estão insatisfeitos com o ensino em Portugal e que pretendem contribuir para uma mudança de paradigma educativo. Consideramos que os métodos de ensino tradicionais, que ainda vigoram maioritariamente nas nossas escolas, não vão ao encontro das necessidades das crianças/jovens e do seu desenvolvimento integral.
Ao longo dos anos surgem, no nosso sistema de ensino, inúmeras mudanças e alterações que não reflectem uma verdadeira mudança de paradigma na educação. São quase sempre ajustes ou remendos a um funcionamento que está, por si só desgastado, antiquado e obsoleto. É preciso reconstruir, colocar em causa toda uma base que está frágil e utilizar os avanços científicos e experiências diferenciadoras ao serviço de práticas educativas actualizadas, eficazes e que vão ao encontro das crianças e do respeito pelo seu desenvolvimento integral.

ASSIM:

- Queremos colaborar para que as escolas e os professores tenham mais AUTONOMIA E LIBERDADE para adequar as suas práticas às necessidades e características dos alunos, com a prioridade de seguir os seus interesses e motivações, por oposição ao seguimento cego de metas curriculares que nada servem, que são decoradas, impingidas e despejadas em testes que não representam aprendizagens significativas e que não farão a diferença na capacidade das crianças interiorizarem os saberes. Aprender a fazer, a pensar, a articular conhecimentos em vez de aprender a decorar e a memorizar com o consequente fácil e rápido esquecimento. É preciso dar tempo e liberdade, aos professores e alunos, para que as matérias sejam trabalhadas de forma mais profunda. Não só o currículo actual é extenso e superficial como a forma como é abordado não desenvolve o potencial das crianças;

- Queremos colaborar para que as SALAS DE AULA deixem de ser mesas e cadeiras alinhadas, viradas para um quadro onde o professor é acima de tudo um transmissor inquestionável de conhecimentos. A evolução no acesso à informação faz com que as crianças não precisem que lhes transmitam saberes mas que as ajudem a estimular a criatividade, o pensamento crítico e a flexibilidade de pensamento. As crianças precisam de ficar viradas umas para as outras, em grupos heterogéneos dentro da sala de aula, de forma a aprenderem umas com as outras com o material que lhes é fornecido. Está provado que a melhor forma de aprender é a ensinar, pelo que é na troca de ideias com os pares que melhor podem consolidar os conhecimentos. O professor surge, assim, como um facilitador e um agente importante para mediar as crianças, circulando pela sala e fazendo com que as crianças estejam realmente no centro e sejam activas no atingir das suas competências;

- Queremos que as AVALIAÇÕES sejam qualitativas, sem rankings ou exames que levam à comparação do que é incomparável, à frenética procura de melhorar a posição de uma escola e à destruição completa da intencionalidade educativa com números e médias. Os professores sentem-se obrigados a modular as suas aulas de forma a corresponderem a uma série de tópicos previamente estipulados e que fazem com as nossas escolas pareçam fábricas de conhecimentos que são iguais de Norte a Sul. A igualdade na educação não se atinge pela igualdade das matérias mas pela justa diversidade, de acordo com os alunos, as turmas, os professores, os recursos e a zona geográfica em que se encontram.

- Queremos colaborar que todos os ESPAÇOS ESCOLARES deixem de ser edifícios rodeados de cimento, estéreis, demasiado planos e arranjados, sem terra, árvores ou elementos naturais que não respeitam as necessidades motoras e simbólicas das nossas crianças, tão essenciais para a integração das aprendizagens mais formais. Os recreios são pobres e cinzentos, sem riqueza de estímulos, possuindo apenas escorregas ou baloiços que levam à brincadeira programada e não permitem que as crianças acedem ao imaginário. As crianças, sobretudo as mais pequenas, precisam de estar em contacto diário com a natureza, precisam de se sujar, de saltar, de correr, de construir o seu faz de conta com paus, pedras, folhas ou areia e de ficarem com a roupa suja e as unhas pretas;

- Queremos colaborar para que se pratique uma COMUNICAÇÃO POSITIVA por parte dos profissionais de educação. Não acreditamos em castigos, gritos, ausências de recreios, mesas viradas para a parede, tabelas de bom ou mau comportamento ou “palmadas pedagógicas”. A punição ensina a punir, não ensina a mudar. Acreditamos na autoridade do adulto, e não no autoritarismo, enquanto responsável pelo bem-estar da criança mas envolvendo-a no seu processo de socialização como um ser independente e com voz activa, nomeadamente construindo-se as regras do espaço escolar em conjunto com elas, com a nomeação do que é necessário para uma convivência saudável entre todos e com as consequências previsíveis quando isso não acontece. As nossas escolas ainda funcionam fundamentalmente na base da penalização e da crença de que as crianças devem encaixar numa ordem pré-estabelecida e unidirecional;

- Queremos colaborar para que a escola faça realmente parte da COMUNIDADE e que seja uma extensão das famílias. Que os pais que querem e têm disponibilidade para participar, possam ser envolvidos em actividades do quotidiano e que o acesso à mesma não lhes seja vedado. Os pais, como voluntários, podem ajudar na melhoria do espaço escolar, tanto no espaço físico como nas práticas do dia a dia. Cada vez mais é prática comum que jardins-de-infância e escolas com alunos do 1ºciclo não permitam a entrada dos pais, com crianças a serem entregues e recolhidas na recepção, como se de mercadoria se tratasse. Com regras claras e definidas, respeitando os limites e funcionamento das escolas, é possível que todos os intervenientes na educação das crianças façam parte de um todo que visa um interesse comum;

- Queremos colaborar para que os profissionais de educação tenham ESTABILIDADE PROFISSIONAL. Que sejam oferecidas condições para exercerem, sem concursos que os fazem leccionar longe da família e dos filhos e que a satisfação decorrente disso se reflicta na motivação para ensinar. Que seja retirada a carga burocrática e que se dê tempo e espaço para que possam fazer formação, nomeadamente tendo contacto com outras pedagogias alternativas. Há um enorme desconhecimento de métodos diferentes que em nada se assemelham ao ensino tradicional, que já deram provas de serem muito mais eficazes no rendimento e motivação dos alunos. Nos tempos que correm, a formação dos profissionais, desde auxiliares a professores, é ainda demasiado pobre e sem os dotar de conhecimentos mais profundos ao nível do desenvolvimento e psicologia infantil;

- Queremos colaborar para que as turmas sejam mais pequenas e que as crianças com NECESSIDADES ESPECIAIS ou com dificuldades de aprendizagem tenham um acompanhamento diário no contexto de sala de aula e equipas multidisciplinares (psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais) com um rácio de alunos adequado para que possam intervir significativamente. Os professores de ensino especial passam muito pouco tempo com as crianças e estas acabam por não conseguir atingir o seu potencial pela impossibilidade do professor titular chegar a todos os alunos, que são numerosos e muito diferentes entre si. Cada vez há mais crianças com dificuldades que não as teriam com abordagens diferentes e cada vez há mais crianças que tendo realmente dificuldades não obtêm o apoio necessário. Estamos a desperdiçar o desenvolvimento de competências nestas crianças, que crescem a acreditar que não poderão contribuir activamente na sociedade, quando, na realidade, têm tantas vezes talentos fora do comum escondidos;

- Queremos colaborar na aposta às COMPETÊNCIAS SOCIAIS E EMOCIONAIS dos nossos alunos, tanto quanto nas disciplinas propriamente ditas - não nos interessa formar crianças tecnicamente competentes que não se sabem relacionar e que saem de um sistema educativo que promove cada vez mais o individualismo;

- Queremos colaborar em dar MAIS FOCO a actividades artísticas, musicais, manuais e desportivas numa proporção semelhante à matemática, português ou ciências, mesmo porque as disciplinas estão todas interrelacionadas, e com vista a terminar gradualmente com as disciplinas fixas e estanques. Neste momento, aprender é como conhecer pormenorizadamente todas as estações do metro e não ter uma imagem mental do mapa da própria cidade;

- Queremos colaborar CARGAS LECTIVAS mais reduzidas e menos actividades programadas fora do tempo lectivo. Que o tempo livre seja isso mesmo, assente em brincadeira livre. As crianças do 1ºciclo são as que têm mais tempo de aulas com o acrescento dos trabalhos de casa. Sobra muito pouco tempo para simplesmente serem crianças, o que aumenta problemas como a hiperactividade, o défice de atenção, a depressão ou a ansiedade infantil;

- Queremos colaborar no AFASTAR dos argumentos constantes de que o ensino funciona melhor noutros países, nomeadamente nos países nórdicos, porque a cultura e mentalidade são diferentes e que não seria possível replicar no nosso país. Como dizia Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda”. Não podemos esperar que a sociedade mude, mas sim fazer com que as escolas mudem, tornando-se um exemplo para a sociedade e contribuindo para que esta também se transforme a pouco e pouco;

- Queremos colaborar para que as famílias tenham maior LIBERDADE DE ESCOLHA na educação dos filhos, legislando-se práticas que actualmente não têm enquadramento legal mas que estão a proliferar pelo país, como as comunidades de aprendizagem constituídas por grupos de pais e/ou profissionais que querem oferecer às suas crianças uma maior diversidade de opções educativas. Os números em ensino doméstico estão a disparar de ano para ano e precisamos de ouvir as famílias e perceber as suas motivações para tal;

- Queremos colaborar para FORMAR CIDADÃOS para a vida prática, para a empatia, para a comunidade, para a honestidade social e empresarial - se formamos para a competição, formamos para o umbiguismo, para a acumulação de riqueza, para o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, para o insucesso interior, para a noção de que a felicidade está intimamente relacionada com bens materiais e estatuto social.

MAPPE - Movimento Pais, Professores, Educadores e Alunos Unidos.

Assine a petição aqui: http://peticaopublica.com/mobile/pview.aspx?pi=transformareducacao

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A Educação Integral de Bakunine


A Educação Integral de Bakunine

“Para ser perfeita, a educação deveria ser muito mais individualizada do que é hoje, individualizada no sentido da liberdade e unicamente pelo respeito à liberdade, mesmo entre as crianças” (Bakunine, 1869)

Nas minhas leituras sobre as questões do ensino deparei-me com um autor que nunca havia lido, o russo Mikhail Bakunine (1814-1876), e com o livro “Educação, Ciência e Revolução”, editado no Brasil, em 2016, pela Intermezzo Editorial, que reúne seis ensaios, entre os quais figura “A Instrução Integral”, no qual o autor apresenta as suas ideias sobre a educação.

Antes de me referir ao pensamento de Bakunine sobre a educação, refiro que o mesmo, de ascendência nobre, foi um anarquista que depois de passar pelo exército e estudar filosofia esteve envolvido em diversos movimentos revoltosos, tendo sido preso várias vezes e condenado à morte por duas vezes.

Bakunine reconhecia a importância da educação na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, por isso defendia que as massas operárias só podiam emancipar-se completamente se recebessem uma instrução que não fosse inferior à recebida pelos burgueses.

Apesar desta preocupação, a educação não era tarefa prioritária para Bakunine. Com efeito, segundo ele, a questão que deveria ser solucionada em primeiro lugar era a da “emancipação económica, que engendra necessariamente, logo e ao mesmo tempo, a sua emancipação política, e logo a seguir a sua emancipação intelectual e moral”. Numa outra passagem do texto “A instrução integral” que vimos citando o autor explica melhor o seu ponto de vista:

“Para que os homens sejam morais, isto é, homens completos no pleno sentido desse termo, são necessárias três coisas: um nascimento higiénico, uma instrução racional e integral acompanhada de uma educação fundada no respeito pelo trabalho, pela razão, pela igualdade e pela liberdade, e um meio social onde cada indivíduo humano, desfrutando de sua plena liberdade, seria realmente, de direito e de facto, igual a todos os outros.”

No que diz respeito à educação, Bakunine defendia que devia ser igual para ambos os sexos e constituida por uma componente teórica e uma prática. Para além do referido, também devia existir “o ensino prático, ou melhor, uma série sucessiva de experiências da moral, não divina, mas humana”. Segundo ele, a moral humana “não se funda senão no desprezo pela autoridade e no respeito à liberdade e à humanidade” e “só concede direitos àqueles que vivem de seu trabalho. Ela reconhece que só pelo trabalho o homem torna-se homem”.

Sobre os professores, que deviam ser os principais agentes das mudanças para uma sociedade nova que todos dizem pretender, em 1871, Bakunine escreveu o seguinte:

“Os professores da escola moderna, divinamente inspirados e titulados pelo Estado, tornar-se-ão necessariamente, uns sem sabê-lo, outros em pleno conhecimento de causa, os mestres da doutrina do sacrifício popular para o poder do Estado e para o benefício das classes privilegiadas.”


Hoje, sabemos que, quando os entraves não vêm de cima, as dificuldades postas às inovações, são colocadas pelos docentes que, por desmotivação, algumas vezes justificadas, ou por inércia, não se empenham ou deturpam as diretivas que deviam aplicar. Como exemplo, já quase esquecido, recordo a introdução da área escola e da área de projeto, que acabaram por ser um tremendo fracasso. Mais recente é a atual implementação do projeto de autonomia e flexibilidade curricular que segundo me dizem está a correr muito bem, mas apenas no papel.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31448, 7 de fevereiro de 2018, p. 17)