quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Sobre o Dr. Lúcio de Miranda



 Sobre o Dr. Lúcio de Miranda

 O Dr. Lúcio de Miranda, natural de Goa, foi professor de matemática no Liceu de Ponta Delgada. Foi casado com a senhora Fedora de Miranda, que foi presidente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, após a morte de Alice Moderno, e foi pai de Sacuntala de Miranda, historiadora e militante política antifascista.

 Em 1954, fruto da pressão exercida por Salazar para que por todo o país as mais diversas entidades manifestassem o seu repúdio pelo movimento gandhista que pretendia libertar os territórios ocupados por Portugal na Índia, o Dr. Lúcio de Miranda que desde muito novo era admirador de Gandhi, viu-se forçado a pedir a demissão de professor e a partir para Inglaterra, onde acabou por falecer em 1962. Sobre o perfil de Gandhi, o Dr. Lúcio Miranda escreveu: “Aquela figura grotesca que tombou para sempre, varada pelas balas assassinas de um fanático, era o símbolo vivo da bondade e modelo de coerência do espírito, num mundo varrido pelos ventos desvairados da insânia” e acrescentou: “A sua palavra, calma e serena, galvanizava milhões de homens e pregava o evangelho da resistência não violenta contra a injustiça humana. No seu coração de oiro ardia a chama criadora de um culto diáfano da Verdade. E do seu corpo, débil e franzino, irradiava uma aura de imenso prestígio moral, reflexo de uma vida longa de pureza e sacrifício, inteiramente devotada ao serviço da pátria e dos humildes, com os olhos fixos num ideal de paz e liberdade”.

 Bruno da Ponte, no livro “A oposição ao salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas (1950-1974)”ao referir-se ao Dr. Lúcio Miranda menciona a sua “personalidade marcante por causa da sua postura ética muito particular e das suas referências culturais diferentes das que eram habituais na sociedade açoriana”.

 Em 1945 por iniciativa do Dr. Lúcio Miranda foi fundado o “Centro de Estudos de Matemática e Física do Liceu Nacional de Antero de Quental” que teve como fim “proceder a uma revisão sistemática da Matemática e da Física Clássicas, como base indispensáveis a quem quiser entrar no estudo da Ciência Moderna”. De acordo com uma nota publicada na revista Insulana, do Instituto Cultural de Ponta Delgada, o referido Centro funcionaria através de “conferências semanais, sob a forma de lições criticadas”, permitindo “um trabalho de conjunto, mais eficaz do que qualquer estudo isolado, dada a grande extensão daquelas ciências”. Portador de uma cultura muito vasta, o Dr. Lúcio Miranda era conferencista em várias sessões não só sobre temas diretamente relacionados com a sua formação universitária, mas também sobre temas muito diversos de que é exemplo uma conferência que proferiu na Academia Musical de Ponta Delgada, em 1948, intitulada “O Romance de Chopin”.

 Numa altura em que o Governo Regional dos Açores anda obcecado com os números do (falso) sucesso e estabelece metas para as escolas, que é uma maneira disfarçada de pressionar os docentes para exigirem cada vez menos, sobretudo nos primeiros anos, seria aconselhável a leitura de um texto da autoria do Dr. Lúcio Miranda publicado no Correio dos Açores, onde a dado passo ele escreveu: “ Em primeiro lugar, parece-nos ser absolutamente necessário que o professor abandone toda a atitude de exagerada benevolência, que, em vez de beneficiar o aluno só o prejudica, incutindo-lhe uma falsa consciência de si mesmo, cujos resultados são em regra contraproducentes”.

 Sobre o terror que é para muitos alunos a disciplina de Matemática o Dr. Lúcio de Miranda proferiu uma oração de “sapientia” intitulada “O encanto das Matemáticas” na abertura solene das aulas do Liceu Antero de Quental que foi transcrita na íntegra no Correio dos Açores de 8 de outubro de 1932. No final do texto que merecia ser reproduzido na íntegra, o Dr. Lúcio Miranda escreveu que pretendeu “contradizer a opinião corrente de que o mundo dos números é árido e obscuro, eriçado de dificuldades e destituído de atrativos” e por último, dirigindo-se aos alunos afirmou: “Não sei se V.V. acreditaram nos encantos que acabei de descrever. Se não acreditaram, estudem a Matemática e verão que laboraram num erro; e se acreditaram, estudem a Matemática para verem quanto ela encerra de Perfeição, de Harmonia e de Beleza”.

Teófilo Braga (Correio dos Açores, 30820, 30 de dezembro de 2015, p.10)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Recordando a Dr.ª Natália de Almeida

Recordando a Dr.ª Natália de Almeida No passado dia 14 de setembro, faleceu a minha antiga professora de Introdução à Política, no ano letivo 1974/75, na Escola Secundária Antero de Quental e mais tarde minha colega no mesmo estabelecimento de ensino. A disciplina de Introdução à Política surgiu, após o 25 de Abril de 1974, para substituir uma intitulada Organização Politica e Administrativa da Nação que se destinava a dar a conhecer aos alunos, entre outros conteúdos, a Constituição, o Código Administrativo e o Estatuto do Trabalho Nacional do Estado Novo. Se as aulas de Organização Politica e Administrativa da Nação eram muito maçadoras e verdadeiramente desinteressantes, acredito que não por inteira culpa do professor, as de Introdução à Politica, eram completamente diferentes, não só devido aos tempos de esperança que então se viviam, mas também, ou sobretudo, fruto das qualidades didáticas da docente que a todos entusiasmava, apelando à participação ativa de todos os alunos. Alguns anos mais tarde, como já referi, voltei a encontrar-me, no mesmo estabelecimento de ensino, com a Dr.ª Natália de Almeida, mas já na qualidade de professor de Física e Química, tendo na altura, colaborado com um projeto que ela manteve durante alguns anos, o suplemento cultural “O Pedagogo”. O Pedagogo, segundo a Drª Natália de Almeida, tinha como desígnio “criar um espaço em que a cultura tenha lugar privilegiado. Queremos fazer deste suplemento um estímulo vário que ajude cada leitor a saber mais, a refletir melhor, a dialogar mais, a ascender a níveis mais elevados de fruição intelectual”. Para além do meu pobre contributo com textos sobre a causa ambiental, “O Pedagogo” contou, no ano de 1989, com a colaboração de Eduardo Jorge Brum, Urbano Bettencourt, Dias de Melo, Judite Jorge, António Melo Sousa, Clotilde Cymbron, Maria Angelina Balacó Amaral, Victor de Lima Meireles e Fernando Aires. Numa altura em que para além da crise económica, social, política e ambiental se assiste a uma perda de valores e a um regresso ao autoritarismo, ler os textos escritos pela Drª Natália de Almeida, para além de ficarmos melhor a conhecer o seu pensamento, poderá ajudar-nos a refletir e a agir nos dias de hoje para a construção de uma sociedade mais livre, democrática e mais justa. Sobre a liberdade, a Dra. Natália de Almeida escreveu, no suplemento publicado a 14 de outubro de 1989, que a liberdade de pensamento não é a liberdade de pensar mas sim “o direito de exprimir o seu próprio pensamento perante os outros e de procurar com que os outros partilhem dele”. Ainda sobre este assunto, escreveu que “os regimes de força (ditaduras de esquerda e de direita nas suas mais sofisticadas formas) têm a liberdade de pensamento como o primeiro inimigo a abater. É impedindo a livre comunicação de ideias, críticas, denuncias, que os ditadores de todos os tempos se têm conseguido manter de pé”. No suplemento nº 5, publicado a 25 de novembro de 1989, é abordada a noção de cultura. No seu texto a Dr.ª Natália de Almeida, depois de apresentar vários conceitos chama a atenção para o facto de ser “perigoso usar cultura sem especificar qual o sentido ou significado da palavra” e acrescenta: “É que RESPEITAR A CULTURA PODE SER UMA FORMA DE DESINVESTIMENTO CULTURAL, ou seja pode-se afogar o que há de novo em nome da manutenção do que é tradicional, mesmo que seja pobre e atrasado (já que há que salvaguardar o que, sendo tradicional, é rico e autêntico).” Teófilo Braga (Correio dos Açores, 30769, 28 de outubro de 2015, p.12) http://www.rtp.pt/acores/cultura/morreu-natalia-almeida_48110

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Preocupação com as crianças ou guerras partidárias?

Correio dos Açores, 23 de outubro de 2015

sábado, 18 de abril de 2015