sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carta à Ministra da Educação e aos Professores


1.




Escola Secundária Antero de Quental, 8 de Fevereiro de 2010



Exma. Senhora Ministra da Educação


Exmas e Exmos Colegas



João e Ana olham Orlando. Orlando olha à roda perplexo. Volta uns papéis sobre uma secretária e diz: estamos no gabinete da Ministra da Educação no início do ano de 2010! Onde viemos parar! Imaginem quem é a ministra da educação; nem mais nem menos do que Isabel Alçada, uma das autoras dos nossos livros de viagens no tempo!
E Orlando continua. Vive-se no ensino em Portugal uma curiosa situação. Acaba esta ministra de suceder a uma outra senhora que fizera unir numa onda comum de protesto os professores quase todos do país.
Não menos espantoso é o que se desenha em princípios deste ano.
É que praticamente sem tirar nem pôr o que quer que fosse no projecto liderado pelo mesmo Primeiro Ministro, e só com a mudança de titular, os sindicatos passaram a aprovar o prosseguimento da acção governativa, as diversas frentes de luta que se tinham organizado, e anteriormente impunham o ritmo no combate às medidas governamentais, cindiam em multiplicados ninhos de mais ou menos intrincadas congeminações justificativas para o extraordinário volte face. E sabem porquê tudo isso? Mais tarde, continuou Orlando, foi-se tornando claro o que estava na origem do aparente contra-senso. Foi tudo uma questão de lógica. Em primeiro lugar, de lógica de rosto. Da áspera agressividade para o sorriso préfabricado tão ao gosto da formatada população televisiva da altura. Em segundo lugar, de lógica de partilha. Foram todos chamados ao regaço em vez de repudiados e agredidos. A madrinha mágica de tantos afilhados tanto acolheu carruagens em fim de linha como cérebros ainda em aceleração para a sua messe. Em terceiro e último lugar, a lógica da expectação. Da estática lógica do objecto para a dinâmica lógica do fenómeno. Do ou é ou não é da outra senhora para uma unidade de contrários tão ao gosto das aventuras que nos fez viver, em co-autoria com Ana Maria Magalhães, assim como a muitos milhares dos seus milhares de leitores.
Ana e João interrogaram: mas o que é isso da lógica do objecto e da lógica do fenómeno?
É simples, disse Orlando. Quem quer sentar-se precisa de uma cadeira. E uma cadeira ou é ou não é, e se é não é outra coisa. Isto, segundo os dois princípios estruturantes da lógica matemática ou formal, que são o princípio da não contradição e o princípio do terceiro excluído. Para quem se quer sentar pouco importa como encaixam as madeiras, de que árvore ou árvores vieram e se amanhã serão ou não lenha para o lume. Na lógica do fenómeno é que isto pode interessar tanto mais quanto aqueles dois outros princípios perderão sentido. É a unidade dos contrários que se afirma em vez do princípio da não contradição. Em vez do terceiro excluído, afirma-se a transformação da quantidade em qualidade e da qualidade em quantidade. Em vez, enfim, de taxativas assunções ou exclusões, a negação da negação impõe-se.
Foi assim que Isabel Alçada abraçou o que lhe confiaram para dar continuidade. Depois da hercúlea fixação na tarefa que se impôs a Maria de Lurdes Rodrigues, contra quase tudo e contra quase todos, incumbe agora a Isabel Alçada dar humano corpo a quanto concebeu e organizou a sua antecessora.
Orlando, gritaram baixinho Ana e João quase em simultâneo, estamos a ouvir alguém que se aproxima! Rapidamente os três saíram do gabinete pela porta do lado oposto, misturando-se sem dar nas vista na azáfama do início de um novo dia de trabalho no ministério. Já a salvo da situação delicada em que podiam ter sido apanhados, Orlando, vendo o interesse pelo que contava, continuou.
Mas quem não continua agora sou eu, pois tenho de preparar uns trabalhos com um colega e ir para a aula. Continuarei a seguir.



Com os melhores cumprimentos,


Pedro Albergaria Leite Pacheco






2.



Escola Secundária Antero de Quental, 10 de Fevereiro de 2010






Exma. Senhora Ministra da Educação




Exmas e Exmos Colegas





Como disse Orlando, o personagem da co-autora das Aventuras no Tempo, depois da hercúlea fixação na tarefa a que se impôs a Dra. Maria de Lurdes Rodrigues, contra quase tudo e contra quase todos, incumbe agora à Dra. Isabel Alçada dar corpo a quanto concebeu e organizou a sua antecessora.
A questão que se coloca agora é a de saber afinal por que razão estavam tantos contra uma coisa que uma simples mudança de método apaziguou.
Primeiro vejamos como foi que foi possível tantos judeus embarcarem nos vagões e pagarem aos caminhos de ferro alemães a sua viagem para a morte.
É que a vida nos guetos era insuportável. Tudo parecia melhor do que permanecer onde estavam!
Este ludíbrio foi pago bem caro por quem o abraçou.


A Dra. Maria de Lurdes Rodrigues promoveu o gueto insuportável.
A Dra. Isabel Alçada promove agora a viagem de comboio.


Ponderemos.


Quando em toda a frente produtiva a imagem do patrão entrou em total descrédito vão agora as escolas fazer, de uns tantos, patrões dos outros todos?É ou não é tempo de abolir a força de trabalho assumida como mercadoria?
Quando as prerrogativas/vexação de patrão/empregado mergulham na mais insanável crise, quando a economia capitalista multiplica falências por tudo o que é sítio, vão as escolas dar louvores à mais grotesca aberração argumentativa e suporte à mais abjecta prepotência administrativa em defesa de tais obsoletas figuras?
As escolas concentram saber e saberes para o equívoco ou para o esclarecimento?
Tem sentido um Estatuto da Carreira Docente todo ele construído para obstar à carreira docente?
Tem sentido um Estatuto que, além de dificultar e discriminar a progressão profissional, humilha aqueles que são objecto de tal iniquidade? Tem sentido operacionalizar uma avaliação docente transformada pelos próprios propugnadores, ora em farsante pró-forma (para os de casa), ora em chicote (para os outros), tecnicamente fraudulenta e politicamente pouco faltando para o desnude e o olhar os dentes?
Tem sentido permitir-se que os sindicatos sejam usados para fazer passar tal ignomínia?
Tem sentido expulsar cada vez mais profissionais do ensino ao mesmo tempo que para os que ficam cada vez mais horas de trabalho e mais trabalhos se lhes dá?
Tem sentido os centros de cultura, que inelutavelmente as escolas são, darem cobertura ao ludíbrio que constitui fazer crer que o dinheiro é referente no discurso económico e o pão mera virtualidade?
Tem sentido permitir-se fazer colapsar o valor da moeda em prol da sua salvaguarda?
Alguma vez a destruição acelerada das condições de vida e a liquidação generalizada da força de trabalho trouxeram riqueza a algum povo?


Colegas e Colegas, Sra. Ministra:


Em Tróia um objecto decidiu um devir. As inacessíveis muralhas foram tomadas com a colaboração daqueles que com elas queriam defender-se. Cegos, por aquela lógica, para qualquer outra lógica, garantiram o que no fenómeno esperava quem a lógica do fenómeno abraçou.
Nem sempre se tem condições para distinguir alimento de engodo e isco, é bem certo.


À Dra. Isabel Alçada peço que não equivoque o seu lugar na história.
Às minhas colegas e meus colegas eu peço que não ajudem ao equívoco.



Obrigado,

Pedro Albergaria Leite Pacheco