quarta-feira, 13 de março de 2013

O currículo oculto dos manuais escolares

“Minha avó queria que eu me educasse, por isso jamais me deixou ir à escola” (Margaret Mead) A Comissão da Educação Ecológica da rede espanhola “Ecologistas Ecologistas en Accíon” editou, em 2006, um livro intitulado “Estudio del curriculum oculto antiecológico de los libros de texto”. O estudo consistiu na análise de 60 manuais escolares, da quase totalidade das disciplinas e das principais editoras de Espanha, usados no 6º curso de Ensenanza Primária (6º ano de escolaridade) e no 1º de Bachillerato (9º ano de escolaridade). Segundo os autores do relatório, de um modo geral, os livros de texto apresentam uma visão do mundo que, para além de legitimar a forma como atualmente este está organizado, também legitima todos os procedimentos do sistema produtivo que estão a levar ao agravamento da grave crise ecológica que atinge todo o planeta. Nos manuais espanhóis quando são apresentadas soluções para a resolução dos problemas ecológicos, curiosamente ou talvez não, as que são mencionadas são precisamente as que os causaram ou que foram responsáveis pelo seu agravamento, como mais mobilidade, mais tecnologia, mais energia e mais distância. Além do mencionado, a ciência e a técnica são apresentadas como vacas sagradas que resolverão todos os problemas, ignorando por completo os seus impactos. Desconheço se, em Portugal, alguma associação ambientalista ou ecologista fez algum estudo sobre os manuais escolares usados nas nossas escolas e tenho quase a certeza absoluta que um estudo deste tipo nunca foi feito nos Açores, tanto pelas associações como por qualquer outra entidade, como a Universidade dos Açores. Embora por várias vezes tenha pensado em analisar, em pormenor, todos os manuais da disciplina que leciono, a falta de tempo tem-me impedido de o fazer e até ao momento tenho-me limitado a fazer todas as leituras necessárias para poder fazer a sua escolha sempre que sou chamado a dar a minha opinião. Curiosamente, sempre que o meu grupo disciplinar é convocado a escolher um manual escolar, a primeira coisa que faço é ver todas as referências aos Açores e verificar se as mesmas são corretas ou não. Quando surgem afirmações incorretas sobre os Açores ou mesmo fotografias mal legendadas fico logo com vontade de os eliminar da lista dos manuais adotáveis e escrevo às respetivas editoras a apontar as falhas e a sugerir a correção das mesmas, nem sempre com sucesso. Este ano letivo, à medida que vou usando o manual e vou consultando outros usados noutras escolas, tenho deparado com aspetos que foram muito bem identificados pelo estudo que referi no início deste texto e que se resumem na transmissão da crença de que a ciência é capaz de resolver todos os problemas sociais. Como um dos temas que tem sido alvo de algum debate, pelo menos na ilha de São Miguel, tem sido o da gestão dos resíduos sólidos urbanos que até há pouco tempo eram tratados com profissionalismo, a oitocentos euros por reunião para cada um dos doutos intervenientes, redobrei a minha atenção e com grande curiosidade fui ver como era tratado o assunto da energia e se havia alguma ligação entre a abordagem desta e a questão dos resíduos. Em relação às energias renováveis o manual em questão trata o assunto pela rama e sem nunca falar nos Açores apresenta uma foto de uma fumarola, com a legenda “central geotérmica”, e uma foto da central ondomotriz do Pico, com a legenda “central de marés e ondas”. No que diz respeito ao uso racional da energia a primazia é dada às melhorias da tecnologia e apresenta como exemplo de reutilização o bombear a água das centrais hídricas de volta para as albufeiras e “aproveitar as mesmas redes de água para fins agrícolas”. Não há dúvida que, para além de ser um exemplo de duvidosa aplicação nos Açores, ignora que sempre que há transferência de energia há uma parte dela, por vezes a maior, que se dissipa. Talvez com medo de usar o vocábulo incineração ou por mera falta de espaço, o manual apresenta como exemplo de fonte de energia renovável os resíduos sólidos urbanos, esquecendo-se de que na sua composição existem materiais derivados de recursos naturais finitos ou que estão a ser extraídos descontroladamente. Não satisfeitos com a desinformação, os autores, para reforçar o que antes afirmaram, apresentam um exercício onde pedem aos alunos para indicarem a percentagem de energia renovável produzida na ilha Madeira. Como seria de esperar a resposta correta, para os autores, é a que inclui a energia produzida pela incineradora. Teófilo Braga (Correio dos Açores, nº 2747, 13 de Março de 2013, p.13)