quarta-feira, 15 de junho de 2016
António Sérgio, o pedagogo
António Sérgio, o pedagogo
“Só voltarei naturalmente a assentar arraiais em Portugal quando me puder ir dedicar à minha revolução que é, como sabe a revolução pedagógica” (António Sérgio, 1914)
Sempre que alguém mencionava o nome de António Sérgio associávamos ao movimento cooperativista que teve a seguir ao 25 de Abril de 1974 uma grande expansão, pois antes daquela data o mesmo não era incentivado, havendo casos de muitas cooperativas que viram as suas portas encerradas pelo Estado Novo.
Só muito recentemente, na sequência de pesquisas que temos efetuado relacionadas com o Movimento da Escola Moderna, nomeadamente sobre a influência de pedagogos portugueses naquele movimento, que começou por ser inspirado pelas ideias do pedagogo francês Célestin Freinet, descobrimos que António Sérgio não foi apenas um dos principais ideólogos do cooperativismo, mas também um dos mais influentes políticos, de tendência socialista (não marxista), ensaístas e pedagogos portugueses do século XX.
António Sérgio de Sousa, natural de Damão, onde nasceu em 1883, foi na Primeira República ministro da Instrução do governo liderado por Álvaro de Castro, tendo permanecido no cargo apenas de Dezembro de 1923 a Fevereiro de 1924.
António Sérgio foi um dos intelectuais portugueses que não aceitou a chegada ao poder de Salazar, tendo, depois de ter chegado à conclusão de que o regime não era capaz de se liberalizar, defendido a sua substituição através de um golpe militar.
Antes de falecer, em Lisboa no ano de 1969, António Sérgio esteve no exílio, foi preso em 1933, 1935, 1948 e 1958, viu alguns dos seus livros serem apreendidos e foi alvo de ataques e calúnias diversas.
Antes de apresentarmos alguns excertos do autor que ilustram o seu pensamento sobre a educação e o ensino, acrescentamos que, segundo Irene Pimentel, António Sérgio divulgou em Portugal o método Montessori, criou o ensino para deficientes e o cinema educativo.
Sobre a escola do seu tempo, que não será muito diferente da de hoje, no Dicionário de Educadores Portugueses dirigido por António da Nóvoa, podemos ler a seguinte citação de António Sérgio:
“A escola, até hoje, tem sido um acervo de coisas maléficas, de tratos diabólicos, de prescrições tirânicas: e já é importantíssima reforma a simples anulação das coisas más. Grande programa: não fazer mal! A imobilidade nas aulas, os estudos sem gosto, os rígidos programas, a apreensão passiva, as angústias dos exames, etc., etc., produzem transtornos de muita espécie. Estabeleçamos a comparação: em um dos pratos da balança – os muito contestáveis benefícios que tudo isso pode trazer, no outro -, os danos sabidos que com certeza traz…, Ah, imenso programa: liberdade ao aluno; não fazer mal”.
Em relação à escola desejada, António Sérgio, segundo a fonte que citámos defende que a mesma deve ter duas divisas: autonomia e trabalho. Assim, para ele “dois grandes objetivos incumbem à escola do futuro: um deles, a anulação progressiva dos antagonismos sociais, e a instauração da sociedade justa, pela Escola Única do Trabalho; o outro a realização da Liberdade na vida da gente adulta, pela educação das crianças no regime da Liberdade”.
No que diz respeito à autonomia, António Sérgio é claro ao escrever que a mesma tanto na sociedade exterior como na escola “não pode ser-nos presenteada pelos governantes; tem de ser conquistada pelos governados, pacientemente, todos os dias”.
Por último, uma referência à Educação Cívica. O autor da biografia que vimos citando refere que na defesa da autonomia por António Sérgio está subjacente a ideia de que “ a autonomia e a educação cívica aprendem-se praticando, e não através de um qualquer ensino ou disciplina”. Precisamente o contrário do que se faz hoje!
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30959, 15 de junho de 2016, p.16)