terça-feira, 8 de novembro de 2016

António Sérgio e a Educação



António Sérgio e a Educação

António Sérgio considerava-se um “pegagogista” que pretendia agir na mentalidade “dos que hão-de ensinar à nossa “arraia-miúda” a maneira pacífica de se libertar a si mesma, sem cair na dependência em relação a magnates, a politicões, a tribunos, que são simples instrumentos, mais ou menos conscientes, do bando de argentários que domina a Grei”

Embora a sociedade e a escola de hoje não são as do tempo em que viveu António Sérgio, pensamos que a primeira não deixou de ser “fortemente oligárquica” e a escola de hoje tal como a do passado “não dá cultura”. António Sérgio escreveu: “Falando em geral, o amor das ideias é bem raro aqui. A escola portuguesa não nos inspira esse amor. Muito pelo contrário: só pode incutir-nos o horror às ideias, à leitura, ao estudo”.

António Sérgio distinguia elites de oligarquias. Segundo ele, elite era uma “minoria dos melhores que estrutura uma nação, que a orienta e que a torna orgânica, que a inspira com o objetivo de se tornar dispensável, de preparar o povo para se governar por si próprio; que a norteia, em suma, não para o bem dessa minoria, mas para o benefício de todos nós, dando pois à sociedade muito mais do que dela recebe”. Por outro lado, oligarquia “é a minoria dos graúdos piores, a qual manda num país…para quê? Para sempre o sacrificar aos seus interesses.

Segundo António Sérgio, a Educação ao invés de formar elites estava a formar oligarquias, isto é “gente, pois, que recebe mais (muito mais) do que aquilo que dá”.

Hoje, quando algo corre mal na sociedade a solução encontrada é sempre sobrecarregar as escolas. A juventude toma drogas ilícitas, faz-se uma sensibilização, há muita gravidez na adolescência, toca a impingir educação sexual, há uma crise económica enfia-se um projeto sobre empreendedorismo, pretende-se pintar de verde algumas atividades governamentais e autárquicas, manda-se implementar o projeto eco-escolas, há poucos eleitores a votar, cria-se o orçamento participativo escolar, etc., etc.

Acreditam eles ou fingem acreditar que os males e a salvação estão na escola. Puro engano, que António Sérgio já havida denunciado ao falar na escola portuguesa nos seguintes termos: “A escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem; e ninguém lhe pede educação, mas diplomas – sendo certo, no entanto, que os que pedem diplomas para seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu tempo pelas escolas portuguesas”.

A grande ilusão dos decisores é querer resolver os problemas através da escola quando há muita vida para além dela. António Sérgio sobre esta questão disse: “Quanto a mim parece-me que os males de que nos queixamos são fatalíssima consequência da estrutura da sociedade, - e que só portanto terão remédio se nos metermos firmemente a transformar essa estrutura, o que não é possível com pregações, nem com politica de autoritarismo, nem com reformas só pedagógicas, - mas com reformas sociais e pedagógicas concatenadas, entrelaçadas como fios de um tecido único, as quais preparem o nosso povo para o uso razoável da liberdade e para empreender por si mesmo a sua emancipação social-económica”.

Há quem ache que a educação deve servir para adaptar a criança à sociedade em que se vive. António Sérgio acha que não e escreve: “No seu papel de organizadora de atividades, a educação não tem por objeto manter a estrutura da sociedade de hoje; tem por objeto melhorá-la, revoluciona-la”.

Hoje, fala-se muito e pouco se faz em relação à autonomia da escola e dos alunos. António Sérgio também defendia “uma escola do trabalho e da autonomia, do labor profissional e da iniciativa – uma escola útil para a vida”. Segundo ele “Uma carneirada escolar dá uma carneirada administrativa, e um decorador de compêndios, um amanuense; mas se cada escola for uma cidade, um laboratório, uma oficina; se conseguirmos desloca-la do enciclopedismo para a criação – o aluno ao sair irá marcado, terá amoldado o seu espírito à iniciativa produtora e virá a ser para a sociedade uma fonte de progresso”.

Mas, para António Sérgio, a autonomia não podia ser só para e na escola. Com efeito, António Sérgio considerava que a mesma devia ser uma meta de toda a sociedade, como se pode concluir da leitura seguinte extrato: “Quanto a mim, actuo a favor do ideal democrático, é certo; mas repetindo mil vezes a afirmação do Proudhon: “democracia é demopedia, democracia é educação do povo”. É treino do operário para se governar a si mesmo através das cooperativas e dos sindicatos, da estrutura do município e da província (associação de municípios), sem necessidade de chefes ou de mandões…”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31076, 9 de novembro de 2016, p.11)