quarta-feira, 28 de junho de 2017
Ainda a propósito do trabalho de projeto no ensino da Química
Ainda a propósito do trabalho de projeto no ensino da Química
Em texto anterior, comecei por abordar uma tentativa de ensinar alguns conceitos do programa de Física e Química do 7º ano de escolaridade, com recurso ao trabalho de projeto. Embora o tema seja de interesse para os docentes da disciplina, pode ter também interesse para professores de outras disciplinas, bem como para as demais pessoas interessadas com o que se passa nas escolas.
Antes de prosseguir, vou aproveitar para demonstrar publicamente a minha indignação pelo facto dos nossos alunos serem discriminados em relação aos seus colegas do continente português. Com efeito, os conteúdos a lecionar são os mesmos a nível nacional, mas, nos Açores, os alunos têm menos um terço de tempos letivos que os não residentes na região.
A situação descrita já foi denunciada por várias vezes e os políticos que nos governam, desde secretários a diretores regionais, passando pelos deputados, estão ao corrente da situação, mas não mexem uma palha para que a situação se altere. Desconheço a razão da sua apatia, mas as causas poderão estar relacionadas com o não entendimento da gravidade da situação, com a incapacidade para a implementar medidas de fundo, pois a apregoada autonomia dos Açores é muito curta ou com a sua forte aposta na implementação de medidas de mera mitigação, como o ProSucesso.
Ainda sobre o assunto, quero afirmar que os professores também são vítimas da situação mencionada, pois vêm-se aflitos para cumprirem os programas, por vezes, demasiado extensos e não têm outro remédio senão passar por alguns conteúdos como gatos sobre brasas.
Retomando o fio à meada, a opção que fiz pela implementação do trabalho de projeto para o estudo de um conteúdo do programa deveu-se essencialmente ao facto de considerar que as atividades laboratoriais devem ser feitas pelos alunos, respeitando todas as regras de segurança nos laboratórios, sempre com a supervisão do professor.
Mas, tão ou mais importante do que o ensino experimental é o colocar os alunos a participar na organização das tarefas a realizar e a trabalhar em cooperação com os colegas. Não se pode exigir que uma organização ou região seja autónoma quando os cidadãos que a constituem ou nela vivem não aprenderam a usar a liberdade para pensarem pela sua cabeça e as agir por si próprios.
Se há quem tenha muitas dúvidas sobre a implementação do trabalho de projeto, nomeadamente porque possa implicar não seguir a ordem dos conteúdos inscritos nos programas ou por pensar que os alunos não são capazes de fazer pesquisas bibliográficas, por mais simples que sejam, a maior interrogação é a relacionada com a pretensa incapacidade ou imparcialidade por parte dos alunos para avaliarem o trabalho desenvolvido.
Para comprovar que aqueles são capazes de ser autónomos e de avaliar, com justiça o seu trabalho, apresento, abaixo, alguns extratos de uma ficha de autoavaliação.
Sobre como havia decorrido o trabalho, uma das alunas, de 12 anos, sobre a atividade laboratorial escreveu o seguinte: “Inicialmente correu mal, pois tínhamos feito a experiência mal, mas depois repetimos de novo e a experiência foi bem-sucedida”. Relativamente ao trabalho em equipa, a mesma aluna escreveu: “cada uma fez um pouco e depois o meu outro par foi buscar todo o material e conseguimos trabalhar bem”. Em relação à realização da apresentação final, a avaliação da aluna foi: “O trabalho correu bem, mas atrapalhámo-nos um pouco … conseguimos trabalhar bem pois aceitamos todas as ideias que propomos”. Por último, a mesma aluna, analisando a apresentação final, escreveu: “a apresentação correu bem, soubemos planear o que cada uma ia dizer e usamos um vocabulário claro e correto” e acrescentou: “ Acho que em vez de fazermos numa folha de papel, podíamos inovar mais fazendo um vídeo a explicar o procedimento da experiência”
Apesar do cansaço de quase 40 anos de lecionação, de muito desânimo, de muita revolta pelo modo como os sucessivos governos têm tratados os docentes e outras classes profissionais, há momentos em que ainda acreditamos que é possível uma melhor escola inserida num mundo melhor.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31264, 28 de junho de 2017, p, 16)