terça-feira, 19 de setembro de 2017

Escola da Ponte



A Ponte está cercada

A passos largos para atingir os quarenta anos de serviço como professor de várias escolas públicas, na ilha Terceira e em São Miguel, e com alguma experiência de lecionação em três escolas profissionais, continuo a interrogar-me sobre o papel das escolas na sociedade de hoje.

Aproveitei o período de férias anuais para ler vários livros, sobre os mais diversos temas e como não podia deixar de ser sobre os relacionados com a escola, o ensino e a educação.

De entre os livros que li, destaco o de Paulo M. Morais intitulado “Voltemos à Escola”, sobre a experiência da Escola da Ponte que, sendo uma escola pública, ensina de forma diferente, seguindo os mesmos princípios há 40 anos.

A Escola da Ponte existe, segundo António Sampaio da Nóvoa, graças à inteligência e energia de José Pacheco e de todas as pessoas que deram continuidade ao projeto até hoje. Ainda segundo o referido autor, a Escola da Ponte: “é apenas, e isso é o mais, uma iniciativa de educadores, que se foram juntando, pensando e construindo práticas pedagógicas diferentes, abrindo-se à sociedade, colaborando com os pais, dando aos alunos o seu lugar próprio na escola”.

Se antes da leitura do livro tinha muitas dúvidas, a verdade é que ainda continuo com muitas outras, uma das quais estava relacionada com o tipo de alunos que frequentavam a escola. Isto é, pensava que o sucesso da Escola da Ponte só era possível através de uma boa seleção de alunos, o que não é verdade, pois a escola trabalha com todo o tipo de crianças e jovens, até com aqueles a que denominavam “lixo”.

Depois da leitura de muitos pedagogos libertários, pensei que a Escola da Ponte fosse influenciada por algum deles, mas, através da leitura do livro, cheguei à conclusão de que, embora haja muito em comum, aqueles não foram referência para a Ponte. Com efeito, as referências pedagógicas da Escola da Ponte são uma publicação da Unesco sobre o ensino individualizado, o filósofo francês Emmanuel Mounier, o pedagogo francês Celéstin Freinet, a pedagoga e médica italiana Maria Montessori, o filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, o pedagogo norte-americano William Kilpatrick e o movimento pedagógico português “Movimento da Escola Moderna”. Para além do mencionado, José Pacheco acrescentou às suas influências: “Nunca cito isso, mas apetece-me: a maior referência para mim foi [Jiddu] Krishnamurti. E toda a tradição de Mahatma Gandhi e Lanza del Vasto.”.

Possuindo a Escola da Ponte mais de quarenta anos e tendo superado todas as avaliações externas, por que razão o seu “modelo” não se replicou e pelo contrário o seu isolamento é tal que vive sempre no fio da navalha?

A verdade é que a Escola da Ponte é mais conhecida no estrangeiro, sobretudo no Brasil, do que em Portugal e o seu projeto ao contrário de ser promovido pelas entidades governamentais tem sido alvo de ataques à espera que a mesma colapse.

Como exemplo, refiro o caso da colocação de professores que, ao contrário do que acontecia, passou a ser igual ao de todas as outras escolas, em vez de a mesma poder fazer a seleção. Assim, embora pareça que foi feita justiça, acontece que na Escola poderão passar a ser colocados professores “que não entendem ou se identificam com a metodologia em prática, equivale ao risco de que o projeto Fazer a Ponte possa ruir por uma espécie de autofagia”.

Embora a Escola da Ponte não seja o paraíso na Terra é uma escola onde se vive a democracia, onde “os alunos debatem e decidem tudo o que nela se passa, onde cada criança define o respetivo plano de aprendizagem, de acordo com conceitos de autonomia, solidariedade e responsabilidade e onde os professores trabalham em equipa dentro dos diferentes espaços”.

Para além do referido, os pais têm um envolvimento na vida da escola que não se verifica nas restantes. Com efeito, o Regulamento Interno reconhece “aos seus representantes uma participação determinante nos processos de tomada de todas as decisões com impacto estratégico no futuro do Projeto e da Escola”.

Será que nos Açores é possível haver uma escola pública a funcionar em moldes semelhantes? Infelizmente, creio que não!

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31335, 20 de setembro de 2017, p.10)

http://www.noticiasmagazine.pt/2017/escola-da-ponte/