segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A Escola de Ferrer, a de hoje e Agostinho da Silva


A Escola de Ferrer, a de hoje e Agostinho da Silva

Antes de dar a conhecer algumas ideias do pedagogo catalão Ferrer y Guardia (1859-1909) criador da Escola Moderna, tendo por base um livro que ele escreveu enquanto esteve preso na fortaleza de Montjuïc, esclareço que entre nós existe um Movimento da Escola Moderna, que não tem qualquer ligação com Ferrer, mas que foi inspirado no francês Célestin Freinet (1896-1966).

De acordo com Sílvio Gallo, Ferrer acreditava que se aprendia pelo afeto, isto é embora a aprendizagem “seja um ato mental, racional, nada se aprende se antes não passar pelo coração, se não mobilizar o desejo”.

Na Escola Moderna, seguia-se a “pedagogia racional” a qual segundo Sílvio Gallo é “um processo educativo que eduque pela razão, para que cada ser humano seja capaz de raciocinar por si mesmo, conhecer o mundo e emitir seus próprios juízos de valor, sem seguir nenhum mestre, nenhum guia”.

Começando pelas instalações escolares, Ferrer não aceitava uma escola fechada entre quatro paredes de modo que na sua Escola Moderna a par de salas bem decoradas, havia pátios destinados à realização de atividades ao ar livre. Além disso, toda a atividade escolar era complementada com visitas a fábricas e passeios diversos.

Num passado recente, nos Açores era fomentada a existência de clubes escolares e incentivava-se a realização de atividades extraescolares. Relativamente aos clubes, a Direção Regional da Educação chegou a editar um boletim intitulado “Clubismo” que no seu número oito, de dezembro de 1995, mencionava a existência nos Açores de trinta e um clubes. Hoje, restam muito poucos clubes que por vezes estão a funcionar com meia dúzia de alunos.

No que diz respeito a atividades extracurriculares, a recomendação é para a sua redução, com vista a não roubar tempo às aulas. Enfim, continua-se a privilegiar a transmissão de conhecimentos nas salas de aula, desligando a escola do meio onde se insere.

Sobre este assunto, Agostinho da Silva foi bem claro quando escreveu que “na escola aprendemos pouco e na vida aprendemos muito” e acrescentou: “só é viva a escola que estabelece com o ambiente uma série de trocas, que se deixa penetrar por ele amplamente e por sua vez o penetra e modifica”.

Embora não discutindo a utilidade de provas em alguma circunstância, o que é certo é que na Escola Moderna de Ferrer “não havia prémios nem castigos, nem provas em que houvessem alunos ensoberbecidos com nota dez, medianias que se conformassem com a vulgaríssima nota de aprovados nem infelizes que sofressem o opróbrio de se verem depreciados como incapazes”.

Ainda sobre a não existência de provas, Ferrer escreveu o seguinte: “os elementos morais que este ato imoral qualificado de prova inicia na consciência da criança são: a vaidade enlouquecedora dos altamente premiados; a inveja roedora e a humilhação, obstáculo de iniciativas saudáveis, aos que falharam; e em uns e outros, e em todos, os alvores da maioria dos sentimentos que formam os matizes do egoísmo”.

Agostinho da Silva, depois de referir que na escola tradicional são fomentados o isolamento e uma competição doentia, o que leva a que, ainda hoje, haja muitos alunos que não queiram trabalhar em grupo, escreveu que “a escola é uma carreira em que o aluno procura ultrapassar os camaradas e em que se sente sobretudo satisfeito quando for o primeiro da classe”.

Para Ferrer o “valor da educação reside no respeito à vontade física, intelectual e moral da criança”, assim o bom educador seria todo aquele que “contra as suas próprias ideias e suas vontades pode defender a criança, apelando em maior grau às energias próprias da própria criança”.

Agostinho da Silva que acreditava que “toda a educação verdadeira e sólida é uma autoeducação”, é mais claro quando se refere ao papel do professor que deve deixar de ser um mero transmissor de conhecimentos para ser um orientador dos alunos. Vejamos o que escreveu a este propósito sobre a Faculdade de Letras do Porto que foi extinta pelo governo: “…os mestres, mais do que ensinar, estimulavam a aprender e onde ninguém tinha de se pautar pelas receitas habituais, mas de escolher os seus próprios caminhos, certos ou errados”.

Teófilo Braga
Correio dos Açores, 31643, 9 de outubro de 2018, p. 16)